sábado, 14 de março de 2020

ESCOLAS CÍVICO-MILITARES: BONITINHAS... MAS “ORDINÁRIO, MARCHE!”

Dia desses, escrevendo sobre a escola cívico-militar, observei algumas pessoas com dificuldade de interpretação de parte do texto. Elas me fizeram reflexões, de modo que eu tivesse que explicar o que elas haviam interpretado, e não o que eu havia escrito. Achei impressionante. Hoje, trazendo novas reflexões sobre o tema, procuro ser o máximo didático, evitando que palavras sejam colocadas na minha boca. O título é proposital, para checar mesmo a interpretação de alguns leitores...
Sou contra a escola cívico-militar. Não sou contra militares. Respeito-os como respeito os médicos, artistas, garis etc. Entendo quem é a favor desse novo modelo escolar, mas ficaria perplexo se visse um professor civil favorável à mesma, pois perceberia que ele se curvou a um equívoco, negou o seu próprio juramento docente, e faltou-lhe a aura de educador. Desacredito na existência de educadores aplaudindo militares no lugar do professor civil, ao invés de buscar o fortalecimento da Educação. Não somos país em regime de ditadura para militarizar os jovens. Não temos histórico de amores bélicos. Não admiramos Ustra. Não há necessidade dessa militarização. Há necessidade de medidas pontuais, por exemplo:
1) aumentar o PIB para a Educação;
2) aumentar o número de universidades em regiões isoladas;
3) aumentar o número de escolas técnicas federais no Brasil;
4) investir fortemente na formação continuada dos professores federais, estaduais e municipais;
5) investir fortemente na estruturação das universidades, escolas técnicas federais e escolas de ensino fundamental e médio;
6) investir fortemente na educação infantil;
7) garantir que no primeiro dia de aula TODOS os alunos das escolas de ensino fundamental, médio e infantil, tenham em mãos TODOS os livros didáticos;
8) garantir BIBLIOTECA DE VERDADE nas escolas;
9) investir fortemente em políticas públicas de educação, saúde, segurança pública, locomoção, lazer, esporte, entretenimento etc;
10) investir fortemente no combate à pobreza.
Essas políticas públicas permitem que crianças e jovens tenham educação e intelectualidade fortalecidas. Elas irão para a escola tratando com respeito os professores e qualquer pessoa. DETALHE: sem serem soldadinhos de chumbo. Essas medidas permitiriam famílias estruturadas, pois os alunos de fato se graduariam com condições intelectuais de avançar, ter emprego, melhorar a vida dos pais e se unir a outros cidadãos na construção contínua de uma nação evoluída. PARTE dessas medidas foi iniciada no final do governo de FHC, perpassou por Lula e Dilma, mas sofrem reduções e extinção no governo atual.
Na realidade, os resultados concretos das medidas acima só fecharão o círculo após cinqüenta anos de efetivação, sendo que em vinte anos a sociedade sentiria os reflexos. É projeto para vários governos, pois é impossível a sua realização em quatro ou oito anos. Só um país sério, e com patriotas na prática – e não apenas nos discursos – daria essa guinada.
Alguns pensarão: por que não fizeram desde que surgiram as escolas públicas? Não sei. A dívida é secular. Por que não construíram nesses cem anos e se chegou ao atual estado? Criança cujos pais contam com serviços públicos de qualidade, que recebe educação libertária, torna-se homem e profissional altruísta. Ela conhecendo limites através dos pais (não dos professores), será autoridade idônea, saberá com clareza discernir certo e errado. Pobreza não justifica marginalidade. Há muitas famílias pobres de Jó que educam os filhos como príncipes, que se desdobram e protagonizam fatos impactantes, mas não é generalizado. Pobreza expõe.
Dia desses assisti a um vídeo no qual um pai bem apessoado entra numa grande farmácia com o filho, entretém o farmacêutico, enquanto a criança de NOVE ANOS furta todo o dinheiro do caixa. Se ambos tivessem a devida educação, não praticariam contravenção. Só a educação transforma o homem num cidadão de bem. Há exceções negativas, mas são casos isolados.
 Reconheço a organização das escolas militares. Mas também reconheço a organização de muitas escolas públicas civis. Questiono o desvio do militar para a escola civil. Não é essa a necessidade do Brasil. Precisamos das medidas acima enumeradas, dentre outras ações pertinentes. Se as famílias marginalizadas, cujos filhos apresentam problemas na escola, fossem tratadas com dignidade pelo Estado, se tivessem os auxílios que têm os políticos e magistrados, com certeza educariam corretamente os filhos. Os professores não estariam sobrecarregados, substituindo pai e mãe, dando educação de berço aos filhos alheios.
Quando, espontaneamente, algum jovem escolhesse escola especificamente militar – é um direito – que procurasse as escolas das Forças Armadas (Marinha, Aeronáutica, Exército, Polícia Militar). Transformar os ambientes civis em espaço cívico-militar por força da opinião geniosa de um presidente que faz mal juízo dos educadores, é puro equívoco. A perseguição é tão óbvia que ele investirá pesado para, de fato, obter “bom resultado”, “provando” que ela é “melhor” que a educação civil. A educação militarizada jamais será completa como a Educação civil (explico abaixo). Por que não investir pesado na escola civil?
 Conheço escolas civis, públicas, que, quase sem recursos, conquistam sucessivas vezes o primeiro lugar no IDEB. Os IFRN’s estão dão show no aspecto de avanços intelectuais. Imagine se as escolas civis recebessem os investimentos que serão feitos às escolas cívico-militares? Com certeza seriam instituições incomparavelmente formidáveis. Mas é uma questão pessoal. Cismaram com Paulo Freire. Escolheram Ustra! A linha da educação militar é diferente, nem tanto pela organização e respeito, mas a essência, os conteúdos
Você sabia que os livros didáticos chegam às escolas baseados no senso escolar do ano anterior? Por isso nunca são suficientes para todos os alunos, pois a cada ano aumenta o número de alunos. Sabia que boa parte dos livros didáticos chega atrasado às escolas? Isso é gravíssimo. A culpa é dos governos. Mas a sociedade, equivocada, culpa escolas e professores. Pobres vítimas.
 A sociedade tem a mania de supervalorizar o que é belo por fora, e o que os reclames anunciam: a fruta viçosa (mesmo que por dentro tenha gosto desenxabido), a caixa de fósforo acusando 100 palitos, mas com 70 palitos de fato.
 É mais ou menos isso que acontece com a aparência da escola cívico-militar. Estética bonita pelas fardas muito bem desenhadas, cabelos e sapatos impecáveis. Alguns acharão o máximo. Mas em termos intelectuais, há um déficit grande. Para quem tem dificuldade de interpretação, esclareço que não falo em déficit no aspecto de inteligência, moral, caráter, mas déficit na intensidade de sua intelectualidade. Os alunos das escolas cívico-militares não experimentam a mesma grandeza da escola civil pública: a plenitude das Humanidades sem pecar nas Exatas, não há áreas do conhecimento censuradas ou ignoradas. Não há perfis humanos discriminados. Nos ambientes educacionais civis públicos as regras são deliberadas, construídas. Há liberdade. Se algumas falham, o fazem por força do sistema falho.
A escola civil permite ao aluno discutir os temas atuais sem censura; estudar e produzir todas as vertentes da Arte; estudar Política, Filosofia, Sociologia, Antropologia etc; experimentar os ensinamentos de Paulo Freire e outros filósofos da Educação; não aquiescer à imposições que ferem culturas. Isso não tem preço, pois fecha o círculo da formação intelectual. A escola civil, além de oferecer as disciplinas das escolas cívico-militares, com exceção às específicas militares, oferece todas as disciplinas das áreas humanas, sem imposição e limitação. É uma formação completa. Por tal razão observo que a educação na escola cívico-militar jamais será plena.
Na escola cívico-militar, um jovem afro-descendente, por exemplo, deverá cortar o cabelo rastafári para usar o quepe. A garota de cabelo azul deverá “destingi-lo” para usar “coque” e quepe. O cabelo rastafári ou azul jamais impediriam o aluno de aprender. Como fica o respeito à cultura de raiz africana e a liberdade da escolha da cor do cabelo? Regra e respeito entram em conflito quando a regra desrespeita a cultura. A escola civil respeita todas as culturas: nela entra os alunos de cabelos coloridos, tatuados, com rastafári, enfim não se pratica a exclusão. Observo que querem doutrinar os jovens antes de chegarem às universidades. Por que não tentam militarizar as universidades! São estratégicos!
Priorizam patriotismo como se isso traduzisse idoneidade inquestionável. Há patriotas na cadeia. Há patriotas agredindo ciganos, nordestinos, judeus, gueis, lésbicas, negros etc. O próprio presidente da república, que proclama o patriotismo diariamente, planejou atos de terrorismo no Exército, planejou explodir o prédio das Agulhas Negras, uma adutora carioca e outros espaços públicos. Imagine um aluno dele, hoje, explodindo uma escola! Patriotismo é conteúdo da disciplina de Ética e Civismo, assim como Física, Arte, Geografia etc. Não é um El Dorado. El Dorado é o que já expus nas medidas acima. Patriotismo não se resume à palavra, mas a prática de qualquer pessoa. O presidente não é patriota nem no discurso, pois discurso que enaltece torturador é criminoso.
As Forças Armadas não têm a procuração do patriotismo nem do respeito para sentenciar que a escola cívico-militar é a solução para os problemas atuais. Há mais de cem anos os alunos entoam hinos cívicos e hasteiam bandeiras com naturalidade. Não de deve julgar a escola pública civil tendo como parâmetro fatos isolados, despertando na sociedade a ideia de que o professor civil fracassou. Isso é injusto.
Que história é essa de que a nação carece de disciplina militar? Parte da sociedade pode até necessitar de disciplina. Mas DISCIPLINA, e não DISCIPLINA MILITAR. Disciplina não é patrimônio militar. A sociedade é feita de famílias, as quais – salvas as devidas exceções – não disciplinam os filhos. O assunto é complexo e relativo. Há, inclusive, militares de todas vertentes que não disciplinam os próprios filhos também. A internet está repleta de casos. Isso traduz um problema social/humano. A solução está na Educação, e nos tópicos enumerados acima.
Famílias que se encontram em situação de fragilidade, gerando filhos problemáticos nas escolas, salvas as exceções, predominantemente são de origens pobres, diferentes das famílias ricas. Famílias pobres estão sem moradia digna, sem emprego, sem saúde, sem educação, sem lazer, sem segurança, sem entretenimento etc. Elas perderam a capacidade de educar os seus filhos. O problema escorreu para o colo dos professores. Hoje o sistema ignora isso e produz “fake news”.
O resultado dessas escolas – que não são todas – onde o professor virou pai, mãe e professor, implica nos resultados cognitivos deficientes. Os alunos não aprendem satisfatoriamente. Há muitas escolas públicas que, pelas mãos dos educadores, são modelos. Isso exige esforços hercúleos. Não era para ser assim, pois a construção do conhecimento deve acontecer com serenidade, paz, fraternidade, amorosidade, como nos ensina Paulo Freire e outros pensadores da Educação.   Alegam baderna instalada nas escolas públicas civis – como se generalizada – mas a baderna veio de casa, salvas as exceções. A escola é o “quarto de despejo”. A disciplina que faltou em casa foi repassada para a escola, como se os professores tivessem parido alunos mal educados, portanto obrigados a educá-los. Não investiram.
O brasileiro deve lutar por escola pública-civil de qualidade. Jamais aplaudir a escola cívico-militar limitadora da intelectualidade dos jovens. A sociedade, formada por pais, mães, avós, tios etc são as pobres vítimas. Elas trazem deficiências educacionais – e de outras naturezas – vitimadas pelos governos. Hoje, parte dessa sociedade ouve a propaganda da escola cívico-militar e se aquiesce aos equívocos, despercebendo que a mesma não constrói uma educação libertária, forte, altruísta, intensa, mas exclusiva e segregacionista.
Parte da sociedade – hipócrita – está assustada, culpando escola e professor. Ora! Os professores que apanham de alunos – não generalizando – apanham porque em casa eles batem nos pais. Em algumas escolas ocorre o tráfico de drogas. Crucificam os educandários como se eles gerassem o problema. O aluno traficante já o faz em sua própria casa. Algumas escolas se tornam a extensão do tráfico. Muitos pais nem sabem, outros fingem com medo de apanhar desses filhos. Mas quase todos culpam escola e professor. Ignoram que o problema está no sistema. Família é vítima.
Ninguém precisa de militarização escolar. Precisa-se de EDUCAÇÃO VERDADEIRA, e do que já expus. Os militares poderão até disciplinar as escolas antes civis, mas disciplinar dentro da exclusão. O aluno que denominam de “bandido”, vai abandonar a escola e ampliar o tráfico e a violência em torno da escola e dos bairros. O aluno que não comunga com o estilo militar, não necessariamente o chamado “bandido”, vai evadir. Alunos gueis, lésbicas, trans sequer entrarão na cívico-militar. E nem devem. Não era para o governo estar investindo na Educação? Não era para o governo estar investindo em saúde pública, não era para o governo estar investindo em prevenção feita pelos próprios militares em outras repartições?
 Alegam que o bullying está acabando com as escolas. Alunos praticantes de bullying tiveram má formação educacional, ética em casa. Quem pratica bullying acha-se ser superior aos outros. Acha-se rico, por isso humilha o pobre; acha-se mais bonito, portanto humilha o “feio”; é mais popular, portanto humilha o tímido; usa roupas de grife, portanto exclui os que se vestem com simplicidade; vai à escola de carro, portanto discrimina quem vai a pé. De onde vem esse comportamento? De casa! Há praticantes de bullying com problemas psiquiátricos, psicológicos, em situação de abuso, violência. Eles encontram no bullying uma válvula de escape. Aqui entramos na alçada médica. Onde estão as políticas públicas para essa preocupante situação?
Há quem sentencie que se não precisasse de escola cívico-militar, que antes os civis tivessem realizado medidas disciplinares nas escolas. Quem disse que não realizaram? Mas não é esse o imbróglio. O imbróglio se resolveria se efetivassem os tópicos acima elencados. Não são escolas que criam políticas públicas. São governos. Alegam que há anos as escolas e professores negligenciam o problema. É equívoco, pois a imagem ruim de ALGUMAS ESCOLAS civis públicas não surgiu no ano passado. É antiga. O problema é a falta de investimento e descontinuidade das políticas públicas iniciadas nos governos anteriores, salvas as devidas observações, como expus. Há professor equivocado, como há militar. Mas não é regra.
 Os governos deveriam investir, obviamente, e com justiça, nos militares e nos professores. Mas cada um no seu quadrado e em harmonia social. Deveria-se investir pesado na estruturação das instituições militares no combate às drogas, ao tráfico, a violência. Os militares devem cuidar das fronteiras no ar, no mar e na terra. Os militares precisam de condições e políticas públicas para trabalhar prevenção diariamente.
Mais que armas de fogo, a prevenção desarma a criminalidade lentamente. Essa é uma das tarefas militares. A solução está nas políticas públicas, jamais na militarização. Só com esse investimento maciço terá-se homens e mulheres fortes honrados, cidadãos plenos, país promissor. Escola cívico-militar é atraso. É equívoco. É caminhar para o passado que já se conhece. Jamais admitiria meu filho ou neto ouvindo: “Ordinário! Marche!” Prefiro que ele ouça: “Não seja ordinário, não marche, mas pense, leia, lute, e caminhe por todos os caminhos que o levem à liberdade, à justiça, à partilha, ao conhecimento pleno, à cultura, ao êxito, amor ao próximo e um Brasil que extinga equivocados patriotas”.

SINTE VÍDEO